Portugal é um dos países europeus com a maior taxa de bebés pré-termo, 8%, quando muitos dos nossos parceiros têm 5%. Uma das explicações passa pela subida das gravidezes com recurso a técnicas de procriação assistida. O DN foi conhecer casos de bebés como a Maria, que nasceu às 25 semanas, quando os médicos já pensavam que era um verbo no passado
Sónia Passos acordou da anestesia geral após a cesariana e não perguntou pela filha. Estava convencida de que "a Maria não existia mais". A bebé nasceu a 11 de fevereiro de 2015 com 365 gramas e 17 centímetros de comprimento, às 25 semanas de gestação (pouco mais de cinco meses de gravidez). Cabia na palma de uma mão. Nos dias anteriores ao parto "os médicos deixaram de falar na bebé". "Era como se não existisse mais, apesar de estar na minha barriga. Começaram a falar-me num segundo filho, dando a entender que a Maria não iria resistir ao nascimento e como forma de me preparar psicologicamente para a perda", contou ao DN Sónia Passos, a mãe da bebé mais pequena que alguma vez nasceu no Centro Materno-Infantil do Norte (CMIN), que aponta esse momento como "o mais difícil de todos".
Mas a pequena Maria sobreviveu e lutou durante seis meses e um dia para poder ir para casa. A história da Maria é "um milagre da vida e da medicina", uma "heroína" - como os pais lhe chamam - e tem sido o centro das atenções. De tal forma que, ainda durante o internamento, recebeu a visita do primeiro-ministro, António Costa.
Portugal é um dos países europeus com maior número de bebés prematuros, com uma taxa de 8% (em muitos países da Europa fica-se pelos 5%), muito devido ao aumento de gravidezes resultantes de técnicas de procriação medicamente assistida (PMA). O que até nem é o caso de Maria. Tudo começou com uma gravidez planeada, um bebé desejado e uma gestação sem percalços. "Tudo correu muito bem. Engravidei mal começámos a tentar. Depois não tive qualquer problema, nem os típicos enjoos", recordou Sónia Passos. Numa consulta de rotina percebeu que afinal algo de grave se passava. A bebé apresentava uma restrição de crescimento intrauterino grave e a mãe tinha pouco líquido amniótico. "Enviaram-me de imediato para o CMIN, e foi nessa altura que passei o pior momento. Achava que a Maria não iria nascer. Aí desabei. Chorei muito. Havia um sem-número de médicos a discutir sobre a viabilidade da cesariana. Nessa altura ainda não se tinha decidido se valeria ou não a pena tentar o parto."
A equipa médica acabaria por decidir avançar para o nascimento. O primeiro a ver a Maria foi Rui Pascoal, pai da criança. "Por mais estranho que possa parecer, não fiquei impressionado, apesar de estar cheia de tubos e fios e de estar envolta num saco plástico. Olhei para ela e vi a bebé mais linda do mundo. Pequenina, mas perfeita."
O primeiro mês de internamento nos Cuidados Intensivos Neonatais superou as expectativas e decorreu sem grandes complicações médicas. Nesse período os pais puderam dar colo e fazer canguru (o contacto pele-a-pele entre a mãe e o bebé). "Quando completou um mês, a Maria fez uma septicemia e o canal do coração que já tinha fechado voltou a abrir-se. Fez aí a primeira de muitas paragens cardiorrespiratórias", contou Sónia Passos. A mãe assistiu a várias paragens cardíacas da menina, por opção própria. "Era mais fácil para mim ficar e até ajudar do que estar longe sem saber o que se passava. Cheguei a ir buscar adrenalina para a Maria, que felizmente acabou por não precisar."
A bebé mais pequena da história do CMIN teve posteriormente de ser operada ao coração para fechar o canal e fez duas cirurgias aos olhos, mas contrariamente ao habitual em prematuros extremos nunca teve um derrame cerebral. "Foi uma luta intensa de meio ano em que vivemos um dia de cada vez, a conta-gotas, pois tudo mudava numa questão de minutos entre um quadro estável e um de quase morte", recorda.
Apesar de todas estas complicações graves, Sónia e Rui não falam em milagre, pois atribuem o final feliz à Maria, "uma guerreira, uma heroína com uma vontade de viver inacreditável". "Com apenas 365 gramas, a Maria estava sempre ativa, mexia braços e pernas constantemente. Recordo que em conversa com uma mãe ela me contou que tinha assistido à chegada da incubadora da Maria e que viu passar um bebé muito mexido. Disse que pensou logo que ela iria ultrapassar tudo, e assim foi", conclui Sónia.
A bebé conta hoje com 8 meses de idade real e 5 meses de idade corrigida. A única sequela que tem é displasia pulmonar, que a obriga ainda ao fornecimento constante de oxigénio. Tem ainda uma sonda para se alimentar porque "ficou preguiçosa e não aceita o biberão", mas já come papas. A criança ainda tem pela frente alguns meses até poder retirar o oxigénio, mas ficará totalmente recuperada. Os pais da Maria confessam que esta está a ser uma fase muito difícil. "Estou a acusar o cansaço agora. Passamos a maior parte do tempo entre consultas de várias especialidades e terapias. Na semana passada, por exemplo, só não fomos ao hospital um dia." A Maria ainda não pode ficar aos cuidados de outras pessoas e tem restrição de visitas para evitar contágios. "Não temos vida social, nenhum dos nossos amigos a conhece e na família apenas os avós a vão ver. É um desgaste muito grande." Cansaço que não abafa o elogio dos pais "ao trabalho incansável" da equipa médica, de enfermagem e auxiliares do CMIN.
Uma surpresa agradável
Joana Costa, mãe de trigémeos internados nos cuidados intensivos neonatais do CMIN, está a enfrentar os mesmos medos que a mãe da Maria viveu. Afonso (965 gramas e 36,5 centímetros), Miguel (1130 gramas e 37 centímetros) e Inês (1650 gramas e 41 centímetros) nasceram no dia 2 de outubro, às 31 semanas de gestação (cerca de sete meses), um patamar positivo tendo em conta a gravidez de risco. "Fiz um tratamento de fertilidade e sabíamos que eram dois. Numa consulta de rotina fomos surpreendidos, pois um dos óvulos tinha-se dividido em dois", recordou a mãe. O Afonso e o Miguel são gémeos verdadeiros, "uma bênção", segundo afirmaram os pais, que não se assustaram com a notícia. "Ficámos radiantes, pois durante a consulta e perante o silêncio prolongado do médico achámos que algo estaria errado com os bebés", contou Joana Costa.
Naturais de Amarante, tiveram que preparar o parto no CMIN, pois o hospital da área de residência não tem cuidados intensivos neonatais. "A logística não é fácil pois temos de fazer duas viagens diárias, mas sabemos que estão no melhor lugar onde poderiam estar e com todo o apoio necessário." Joana Costa espera poder ter os filhos em casa no Natal. "Sei que ainda falta um longo caminho, mas até agora tudo tem corrido pelo melhor. A Inês deverá ter alta primeiro que os irmãos e isso vai acabar por tornar tudo um pouco mais difícil, pois terei de dividir-me." Em casa já está tudo pronto para receber os bebés. Joana, enfermeira de profissão, sabe que não será fácil cuidar dos três, mas contará com a ajuda da família.
Joaquim Gonçalves, ginecologista/obstetra e especialista em infertilidade, avança ao DN explicações para o aumento da taxa de prematuros no nosso país. "Tem vindo a subir de uma forma gradual às custas das técnicas de PMA. Com a melhoria das condições técnicas, as taxas de sucesso começaram a aumentar e, consequentemente, a gemelaridade. Com o aumento do número de gravidezes gemelares, houve um acréscimo na taxa de prematuros" explicou. Segundo o especialista, essa realidade veio criar problemas graves "pois aquilo que está estimado nos cuidados intensivos neonatais é para um rácio de incubadoras para uma determinada população, sem contar com este acréscimo". "Muitas vezes somos confrontados com o nascimento de dois ou três trigémeos que ocupam durante longas semanas as unidades de cuidados intensivos. E gerir vagas nem sempre é fácil. Por vezes a mãe fica num lado e o bebé noutra unidade hospitalar, onde haja vaga." Contudo, o responsável pela unidade de cuidados especiais do CMIN refere que "a solução não passa por aumentar o número de incubadoras, mas sim por limitar o número de embriões transferidos".
Por Cynthia Valente / DN
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